sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

[O menino e o sonho; a rua e a utopia]


Um menino sujo e maltrapilho, que poderia ser qualquer menino que vai às ruas de Copacabana ou do centro da cidade à procura do mundo, da vida, das luzes, olha a cidade e nos lança a pergunta: e se essa rua fosse minha?

A pergunta daquele menino é por si a metáfora da utopia de milhares de crianças abandonadas, pequenos sujeitos-em-formação que vivenciam cotidianamente a negação da vida, sob a imposição da lógica do capital, predatória e aviltante.  De quem é essa rua?

O compromisso político/afetivo com essa meninada significa o compromisso com seus sonhos e necessidades materiais, com a sua utopia intrínseca, vivenciada no desejo de um mundo diferente, livre da opressão, onde a vida possa se dar com dignidade e respeito.  Essa vida digna desejada existe hoje, na sua forma negada, como revolta pelas condições de vida impostas às crianças das classes populares nos grandes centros urbanos do Brasil e do mundo.

Perante a pergunta daquele menino - negro, nordestino ou indígena, expressão extrema da crueldade da subalternização da vida -  ...perante essa interrogação sem resposta que nos empurra para o horror da infância abandonada e criminalizada, da privatização do espaço público e da negação do espaço de todos`, que passa assi a ser visto como espaço de ninguém, e que faz os meninos de rua e os sem rua - trancados em apartamentos ou amarrados ao televisor-, o que responder?

O Se Essa Rua respondeu com a magia e a rigorosidade do fazer criativo.  Sua resposta foi o Circo e pelo seu compromisso com a mudança o chamou de Circo Social.  Ancorado na tradição do pensamento social de Nossa América, escolhe o Circo como ação e como metáfora da sua utopia e da sua proposta, como modo de dizer e de fazer. 

A metáfora menino, a metáfora e se essa rua fosse minha, a metáfora circo nos falam abertamente da contradição da sociedade do capital em uma das suas formas mais aviltantes: crianças filhas de trabalhadoras e trabalhadores sem condições mínimas de subsistência que moram nas ruas da cidade, crianças às quais o Estado e a sociedade só dão atenção quando colocadas como uma ameaça atual ou potencial, crianças que, no entanto, demonstram, quando têm oportunidade, um enorme potencial criador transformador.

A metáfora circo como um elemento aglutinador dos imaginários esquecidos da humanidade; o circo como lugar dos outros, como templo da alteridade negada pela razão moderna e seu viés de colonialidade; o circo desafio, risco e transformação, o circo que nos diz que tudo pode e será possível, que o fantástico e o impossível são apenas aquilo que ainda não fizemos.  E o circo acolhe o horror e o nega dizendo: “ali tem vida, possibilidade, utopia”.  Reinventa a impossibilidade, transformando-a em fazer criativo e extrai da dor social poesia.

Claudio Barria Mancilla - [C.lattes]